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Anri Sala e a Arte Contemporânea: entre a poesia, a matemática, a melodia e a dubiedade.


O início da exposição ocorre com a obra “Title Suspended”, que consiste em resina, luvas de borrachas e motor elétrico. As mãos feitas com resina são envoltas por uma luva, que por sua vez, é movida por um motor elétrico para dar uma volta completa por volta de dois minutos. É de suma relevância ressaltar que há apenas dois dedos na mão, ou seja, alguns dedos da luva não são ocupadas e despencam. A obra pode estar relacionada com o afresco “A Criação de Adão” de Michelangelo, no qual Deus e Adão estendem as mãos com o intuito de se tocarem, todavia, seus dedos não se encostam. O movimento realizado dá ênfase nas perspectivas que podemos ter acerca de cada circunstância. 

Time-lapse da obra "Title Suspended"
A sétima atração da exposição de Anri Sala no Instituto Moreira Salles, Le Clash, é um vídeo HD em canal único. No local em que se passa o filme, há uma tela no meio da sala, no qual dois filmes distintos são projetados em cada lado; eles tocam versões da música “Should I Stay or Should I Go”, traduzindo para a língua portuguesa “Devo ir ou devo ficar”. De um lado, passa a produção audiovisual Le Clash, filmado em 2010, já no outro lado, Tlateloco Clash, filmado em 2011. 

 

O vídeo Answer Me foi filmado na Alemanha Ocidental, já The Clash foi filmado em Bordeaux, na França. A cidade francesa foi importante cenário do movimento punk na década de 80 e 90. Em The Clash, o vídeo retrata um homem carregando uma caixa de música e um casal empurra um realejo, indo em direção à casa de concertos Salle de Fêtes. No vídeo Tlatelco Clash, a música é imediatamente reconhecível, parece fantasmagórica e nostálgica ao ser tocada por um instrumento antigo e muito anterior ao movimento punk, o realejo, no qual há uma pauta perfurada e a máquina emite sons, reproduzindo um sucesso de outrora. A filmagem aconteceu na Cidade do México, mais especificamente na praça das Três Culturas, palco da batalha entre os astecas e espanhóis e do Massacre de Tlatelolco. Partindo-se dessa premissa, poder-se-ia afirmar que o local possui certa carga histórica, algo recorrente nas obras de Anri Sala, que explora veementemente esse viés.
A arquitetura da sala é premeditadamente com o intuito de associar-nos-emos a música com o movimento, nos induzindo a decidir entre assistir um dos filmes. Dessarte, surge a dúvida entre ir ou ficar, ou seja, afigura-se com a canção do grupo The Clash, portanto, os dois vídeos constituem apenas um trabalho. Vale salientar que Anri Sala tem o objetivo de criar um sentimento de incerteza nos espectadores, tendo em vista que o trabalho cria uma relação do espaço com a música de maneira interessante e interativa. A obra pode estar simbolizando as relações humanas e as decisões que temos de tomar ao longo da vida, enfatizando a dubiedade que paira sobre os indivíduos de diversas esferas. 


Outrossim, a exposição “No Window No Cry” dialoga com a arquitetura do local, relacionando o exterior com o interior, sobejando os limites da imagem e difundindo no espaço a obra de Anri Sala. A exposição conta com caixa de música, vidro e esquadria de metal; ao girar a esquadria de metal, ouve-se a música “Should I Stay or Should I Go” novamente, relacionando com a obra “Le Clash”. Ademais, cria-se novamente a sensação de dubiedade, haja vista as diversas possibilidades que a música poderá ser ouvida. Ao encostar a cabeça no vidro, deixamos nossos ouvidos mais perto da caixa de música e o som é propagado de maneira mais intensa; dessa maneira, o indivíduo tem a possibilidade de ouvir de maneira diferente a mesma música. Quando giramos a esquadria de metal devagar, a música é reproduzida mais lentamente; já quando giramos mais rápido, a música é reproduzida de maneira acelerada. Por conseguinte, podemos concluir: há versões distintas de que o indivíduo pode ouvir a canção. É concebível que Anri Sala tenha correlacionado a possibilidade de alterar a velocidade com o ritmo frenético nos grandes centros urbanos.



A arte contemporânea em si mesma é tão plural quanto os próprios observadores e suas compreensões; isso não quer dizer, contudo, que ela esteja descolada das questões da atualidade, afinal, a arte é produzida pelo homem assim como o homem se deixa produzir pela e através da arte. Ao observar um trabalho como Answer Me, uma forma de leitura possível que chama atenção é como a obra em questão passa a ser metáfora das interações humanas.


  Ora, escolher uma colina artificial de destroços e uma cúpula da antiga agência de espionagem estadunidense em Berlim não é mero acaso (e mesmo se fosse, o acaso em si mesmo já produz sentido específico na arte em questão). Os homens, em geral, desde que desenvolveram o notável dom da fala parecem ter perdido de vista falar aquilo que realmente querem dizer. O ruído na comunicação é evidente: a bateria estridente pode representá-lo. Ademais, isso não significa que a resposta não esteja sendo dada, é possível que a forma como a resposta esteja sendo dada simplesmente não esteja sendo compreendida. É quase como se fossem duas pessoas falando idiomas completamente diferentes: húngaro e português, inglês e mandarim... Poesia e matemática (será?).  De onde surge o diálogo, se não da diferença? O que seria do mundo se todos falássemos a mesma língua? E mesmo assim somos capazes de nos entender, mesmo entre a poesia e a matemática. 

Bridges in The Doldrums
 Ao traduzir a interação de um casal não como um encontro, mas sim em uma zona marcada pelo conflito (e através do próprio conflito), o artista produz uma capilarização de efeitos enorme no espectador. Não somente dessa simples relação conjugal, pode-se ir para muito além (e o que é a arte se não ir além?) dela: a comunicação nem sempre se dá na concordância, na answer (resposta), mas também se dá no barulho, na confusão, na discordância. 
Toda produção de discurso não é finita, acabada. A produção do discurso só ganha sentido no outro, a partir do momento que o outro se põe a ouvir, se deixa penetrar por ele assim como a música. E essa troca produz efeitos, vibrações, mexe nossas baquetas e produz sentido antes mesmo que se tenha consciência disso (ora, novamente, o que é a arte se não exatamente isso?!).

Claramente, pode ser que o autor não tenha tido intenção virtual alguma nesse sentido descrito. Apesar disso, não se pode negar que a arte, enquanto arte, cumpriu o seu papel simplesmente porque já produziu sentidos (e por isso até a falta de sentido já é um sentido em si mesmo) múltiplos em quem a viu, ouviu, experimentou, foi penetrado por ela. Nesse sentido, a arte parece muito com a língua: talvez não tenha tanta importância se você fala abacate e te escutam dizer banana, posto que a troca em si já é a arte. Talvez a arte esteja bem aí, entre o poder de gritar poesia, ecoar no outro a matemática e ter como resposta melodia.

GRUPO: Giulia Alves, Lucas Freitag, Renata Rougemont e Vitor Grama.