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Brasil: um país de todos?

O processo de construção de uma identidade nacional é um braço historicamente importante na construção dos países modernos, tanto em seus muitos processos de independência quanto nos de unificação. Na geografia, os elementos que formam um estado são: povo, território e soberania. Acontece que no Brasil, não houve formação de uma identidade nacional, pautada em identificações culturais; o "ser brasileiro" se deu principalmente enquanto algo dado pelo próprio governo ao povo numa tentativa desesperada de alcançar legitimidade e soberania.
A produção de arte afro-brasileira atual tem se dedicado à construção, da década de 50 até os dias atuais, de uma identidade destes artistas e dos povos por eles representados. É passível de questionamento o possível caráter geolocalizado desta memória identitária, uma vez que grande parte dessa produção parte da Bahia e do Rio de Janeiro. Devemos lembrar que foram nestes Estados, os quais chegou a maioria dos escravos africanos. Reconstruir identidade é mexer com memória e reconstruir história.
É preciso, portanto, refletir sobre o que é o Brasil que nos foi dado e o Brasil que realmente somos, quais as implicações disso no nosso povo e o que isso constrói em nós (e nós construímos na arte). É nesse sentido que se dá a exposição Orixás, apresentada na Casa França-Brasil, com curadoria de Marcelo Campos e exposições de artistas renomados como: Pierre Verger, Carybé, Rubem Valentim, Ayrson Heráclito, Arjan Martins e Thiago Martins de Melo, buscando entender como nossa ancestralidade africana contribui para a formação do Brasil contemporâneo.
A exposição se dá em dois eixos principais em formato de "X", cruzando-se num corredor principal que atravessa toda a exposição. O eixo central da exposição é constituído por um círculo com painéis de todos os orixás feitos por Carybé, e as respectivas descrições de cada orixá, escritas por Jorge Amado, no livro "Bahia de todos os Santos". No centro, a escultura de Rubem Valentin de uma árvore, fincando o círculo da arquitetura dos terreiros. Esta representação do terreiro está intimamente ligada à identidade afro-brasileira, dando luz ao aspecto religioso dela, mostrando divindades da Umbanda e Candomblé e o terreiro onde se realizam os rituais. Exterior a tais eixos centrais estão os nichos, repletos de arte principalmente contemporânea e artesanatos - uma preocupação específica pelo reconhecimento de tal forma de expressão artística regional, que sofre constante descrédito.
Na obra Naná, de Tina Velho, a exposição conta com 16 gravuras, representando orixás dançando na roda. Vale salientar que os trabalhos da artista, em sua maioria, são compostos por círculos, em Naná não foi diferente; haja vista que há um círculo dos orixás que vai desde Exu e termina em Oxalá. Na parte da frente, é possível observar o Ofá (arco e flecha), que é o símbolo de Oxóssi, representando a nação Ketu. A gravura em metal foi feita com a técnica talho doce, que consiste em acrescentar um relevo à gravura, algo que também é utilizado em notas de dinheiro. Já na parte de trás, há uma curiosidade interessante: os orixás presentes na obra foram retirados de frames de vídeos do YouTube. Outrora, era muito difícil encontrar vídeos com a temática de festas de orixás, no entanto, com a globalização, tornou-se algo muito mais fácil e acessível. Ademais, a cor vermelha exibida nas obras representa todos os momentos difíceis que as religiões afro-brasileiras passaram ao longo dos anos e os preconceitos diários que os negros sofrem, afigurando-se ao sangue derramado decorrente da intolerância.
Série de 16 gravuras Ano: 2014 dimensão: 20 x 30 cm - gravura em metal – Talho doce e Impressão digital com pigmento mineral sobre papel Hunnemünle VELHO, Tina. Şìré `Orìșà. Disponível em <http://www.tinavelho.com.br/>. Acesso em: 10 out. 2016


Ver o Brasil pelos olhos da arte permite que a identidade nacional seja construída e, para além disso, problematizada. Reconhecer que as raízes do país "da alegria" estão no surgimento através da violência (escravidão, genocídio indígena, estupro) e principalmente nas múltiplas culturas que nos construíram é dar um novo ar para o Brasil; transformá-lo, verdadeiramente em um país de todos.
 GRUPO: Giulia Alves, Lucas Freitag, Renata Rougemont e Vitor Grama