Era dia 24 de agosto do ano de 79 d.C., à
uma hora da tarde - segundo a testemunha Plínio, o Jovem - quando Pompéia foi
soterrada pela fúria do vulcão Vesúvio, que ergueu uma nuvem negra de vinte
quilômetros de altura e cobriu as
cidades que ficavam na sua base com mais de 6 metros de lava e cinzas. As
Ruínas de Pompéia somente começaram a ser escavadas em 1748. A preservação era
tamanha, que os habitantes, surpreendidos pelo ocorrido, tiveram os corpos
mumificados pelas lavas muitas vezes nas mesmas posições em que estavam
dormindo, ou conservando semblantes instantâneos. Ou seja, somente no
século XVIII foram descobertas pinturas e edificações que acabaram preservadas
sob a lava endurecida. Em meio às ruínas mais famosas da Itália,
estava um painel vermelho encontrado na “Villa dos Mistérios”- uma gigantesca mansão, com 60 quartos,
datada do séc. II a.C. Tal obra faz referência aos mistérios de Baco e do mundo
feminino, apresentado o desenvolvimento de cerimônias de ritos de iniciação. Segundo
alguns está relacionado ao encerramento da desinibição provocada por vinhos e
alucinógenos. Segundo outros, associa-se a um casamento. Ainda há os que
acreditam que faz referência à vida de Deus. De qualquer modo, apresentam seres
mitológicos. Esse afresco apresenta um vermelho intitulado “Rosso Pompeiano”,
que não pode ser recriado artificialmente, pois surgiu nos afrescos de Pompéia
após a explosão do Vesúvio em cima do que era um amarelo ocre, devido à
exposição ao óxido de ferro.
Em 19 de setembro do presente ano
de 2016, é exposta no espaço Oi futuro Flamengo, a obra “Vila dos Mistérios”,
da artista carioca Júlia Debasse, em um painel de 12 metros no qual são
apresentadas figuras de orixás, beduínos e índios mascarados. Júlia Debasse é a
primeira a expor uma pintura no espaço exterior do oi futuro flamengo. Seguindo
a ideia dos mistérios, a artista desenvolve uma maravilhosa releitura do
afresco de Pompéia. Infelizmente, não podendo reproduzir o famoso e inatingível
“rosso pompeiano”, ela brica ter aceitado usar o “vermelho Nova Iguaçu”. É um painel que apresenta pessoas com máscaras
utilizadas por diferentes culturas, em diferentes períodos da história. Tais
figuras estão colocadas na obra seguindo a configuração do painel pompeiano.
São notadas marcas da artista, como o lobo guará e outros representantes da
fauna brasileira, substituindo outros animais que o afresco antigo apresentava.
No lugar dos frisos superiores geometrizados da obra que antecede Cristo,
encontram-se marcos dos locais cujas máscaras estão representadas ao longo da
obra. A primeira representação no friso é do vulcão Vesúvio, cuja erupção gerou
o “rosso pompeiano” que hoje é observado nos afrescos das ruínas de Pompéia.
Mais ou menos no centro da pintura destaca-se uma figura sendo desmascarada,
que faz referência a uma das cenas da obra milenar onde há de fato uma máscara
sendo erguida. Foi daí que, segundo a artista, chegou a ideia do trabalho com
as máscaras. Enquanto na obra pompeiana, a única máscara presente é a que está
sendo tirada de um personagem, na obra carioca de Debasse, o personagem
equivalente é o único desmascarado. O estilo da pintura visa estreitar a
divisão entre o que deveria ser sério e o que poderia ser cômico, havendo uma
relação com arte popular. A alegria das cores é forte no trabalho de Debasse. A
artista lembra que a função narrativa foi muito presente na obra, sendo mais
importante do que a forma de representação em si, logo, há maior preocupação com
o conteúdo do que com a forma das figuras. A “sequência” do painel pode ser
interpretada como sendo da esquerda para a direita, devido à lógica narrativa
do trabalho. Talvez possamos ainda comentar sobre a cor de fundo da parede no
espaço de apresentação: amarelo ocre, que aparece nas laterais do mural. Tal
cor talvez tenha sido escolhida fazendo referência à cor original da pintura do
século II a.C., antes da erupção do vulcão Vesúvio. Vale salientar que Júlia
Debasse admira muito as diferentes interpretações que o público apresenta de
suas obras, sendo, para ela, saber que um espectador se relacionou de alguma
forma pessoal com a obra, uma das grandes gratificações da arte.
A incrível conservação pós Vesúvio
Pintura preservada em Pompéia
Trecho do painel pompeiano e seu referente no trabalho de
Debasse (o homem sendo desmascarado)
Referências:
Grupo: Gabriela, Lívia Macêdo e Sarah Lopes